Na mitologia grega, Caos é a mais antiga forma de consciência divina, a partir da qual surgiram todos os outros deuses e o próprio universo. Amorfo e indefinível, tudo o que foi criado a partir dele se deu através de múltiplas divisões disto que era, a um só tempo, tudo enada, e já continha todos os elementos para que se formasse o Cosmos (que significa ordem). A partir das cisões deste todo indiferenciado é que foram se organizando os planetas, o céu, os mares, os reinos animal, vegetal e mineral, e a humanidade. A ocupação de Gustavo Aragoni no Casarão guarda, dadas as devidas proporções, certa analogia com este mito. Quando chegou ao local, desocupado há tempos, encontrou aqui elementos abandonados como cadeiras, alguns armários, um vaso de planta ainda com terra. Sem uso, essas coisas se apresentavam como um nada, sem significados definidos. Ao longo de dois meses, o artista imergiu na relação com os objetos e o ambiente numa exploração sem planejamento e, portanto, sem um resultado determinado no horizonte. Outros itens descartados trazidos de derivas pelas ruas próximas chegaram e foram incorporados ao “acervo de interesses sensoriais” de Aragoni. Essas coletas são randômicas, mas afetivas, quase como se os materiais é que escolhessem o artista. Seu método é intuitivo, tributário da filosofia de Bergson, que propõe que o conhecimento das coisas resulte da experiência no presente, sem a mediação de conceitos e/ou análises. Observar, tocar, amassar, rasgar são assim algumas das ações que surgem neste processo de entendimento das características de cada material e de como ele se aproxima ou se distingue dos outros neste microuniverso. Alguns destes gestos enérgicos de dissecar a matéria evocam a violência de um trauma. Mas então, pouco a pouco, vão sendo tramados desenhos espaciais e agrupamentos compositivos, e o ambiente vai ganhando algum nexo. Mas, atenção: não espere encontrar narrativas lineares ou explicações. O que se apresenta nestes espaços é um vestígio de muitas ações e não um final (melhor seria chamar de intervalo) passível de ser interpretado com os instrumentos usuais da razão. A razão, aliás, quando ameaça intrometer-se na experiência, é rechaçada pelo artista através do procedimento de escrever palavras ou frases de trás para a frente. Mesmo a cidade, que teima em tentar impor seu regramento do tempo com luzes e barulhos, está mantida do lado de fora. As definições estão abolidas e aqui só existe o agora. Talvez nem seja adequado dizer “aqui” sobre este “não lugar”. Já o “agora”, esta ideia eternamente inapreensível, pode caber nesta proposição de que nada, na verdade, é - tudo está. Sylvia Werneck
Na mitologia grega, Caos é a mais antiga forma de consciência divina, a partir da qual surgiram todos os outros deuses e o próprio universo. Amorfo e indefinível, tudo o que foi criado a partir dele se deu através de múltiplas divisões disto que era, a um só tempo, tudo enada, e já continha todos os elementos para que se formasse o Cosmos (que significa ordem). A partir das cisões deste todo indiferenciado é que foram se organizando os planetas, o céu, os mares, os reinos animal, vegetal e mineral, e a humanidade. A ocupação de Gustavo Aragoni no Casarão guarda, dadas as devidas proporções, certa analogia com este mito. Quando chegou ao local, desocupado há tempos, encontrou aqui elementos abandonados como cadeiras, alguns armários, um vaso de planta ainda com terra. Sem uso, essas coisas se apresentavam como um nada, sem significados definidos. Ao longo de dois meses, o artista imergiu na relação com os objetos e o ambiente numa exploração sem planejamento e, portanto, sem um resultado determinado no horizonte. Outros itens descartados trazidos de derivas pelas ruas próximas chegaram e foram incorporados ao “acervo de interesses sensoriais” de Aragoni. Essas coletas são randômicas, mas afetivas, quase como se os materiais é que escolhessem o artista. Seu método é intuitivo, tributário da filosofia de Bergson, que propõe que o conhecimento das coisas resulte da experiência no presente, sem a mediação de conceitos e/ou análises. Observar, tocar, amassar, rasgar são assim algumas das ações que surgem neste processo de entendimento das características de cada material e de como ele se aproxima ou se distingue dos outros neste microuniverso. Alguns destes gestos enérgicos de dissecar a matéria evocam a violência de um trauma. Mas então, pouco a pouco, vão sendo tramados desenhos espaciais e agrupamentos compositivos, e o ambiente vai ganhando algum nexo. Mas, atenção: não espere encontrar narrativas lineares ou explicações. O que se apresenta nestes espaços é um vestígio de muitas ações e não um final (melhor seria chamar de intervalo) passível de ser interpretado com os instrumentos usuais da razão. A razão, aliás, quando ameaça intrometer-se na experiência, é rechaçada pelo artista através do procedimento de escrever palavras ou frases de trás para a frente. Mesmo a cidade, que teima em tentar impor seu regramento do tempo com luzes e barulhos, está mantida do lado de fora. As definições estão abolidas e aqui só existe o agora. Talvez nem seja adequado dizer “aqui” sobre este “não lugar”. Já o “agora”, esta ideia eternamente inapreensível, pode caber nesta proposição de que nada, na verdade, é - tudo está. Sylvia Werneck
h(a)bito, edifício new castle, são paulo, 2021
infinitivos (im)pessoais, hermes artes visuais, são paulo, 2019
Artista visual e pesquisador (bolsa CAPES), mestrando em Artes pela Universidade de São Paulo (PGEHA-USP), sob orientação do Prof. Dr. Arthur H. Lara. Integra o Nébula CNPq, grupo de pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, na mesma instituição (FAU-USP). Realizou exposições no Museu Bellas Artes Del Metro, Galeria Mamute, Forum Cultural de Cerveira, DAP UEL, Museu de Arte de Ribeirão Preto, Canteiro, Soma Galeria, MuMa, Palco das Artes, Lona Galeria, Vão, Memorial da América Latina, entre outras. Em 2013, estudou pintura com Dudi Maia Rosa e ilustração com Fernando Vilela. Ingressa no curso de Desenho de Animação do Centro Universitário Belas-Artes, em 2014. Nos anos seguintes, frequentou o ateliê de José P. Latorre e o grupo de estudos do Hermes Artes Visuais, coordenado pelo(a)s artistas Carla Chaim, Marcelo Amorim e Nino Cais. Paralelamente, assiste às aulas do curso de filosofia contemporânea, ministrado por Amauri Ferreira. Em 2019, recebe prêmio aquisição no 47º Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto e no 18º Salão Nacional de Arte de Jataí. Em 2022, participou da oficina Antiformas de intervenção na EAV Parque Laje - RJ, coordenada pelo artista David Cury. Seus trabalhos fazem parte de coleções públicas e particulares, incluindo Fundação Bienal de Cerveira, em Portugal.
Visual artist and researcher (CAPES scholarship), master's student in Aesthetics and Art History at the University of São Paulo (PGEHA-USP), under the supervision of Prof. Dr. Arthur H. Lara. Participates in the Nébula Research Group at the Faculty of Architecture and Urbanism, at the same institution (FAU-USP). In 2013, studied painting with Dudi Maia Rosa and illustration with Fernando Vilela. Joins the Animation Drawing course at Centro Universitário Belas-Artes, in 2014. In the following years, attends the studio of José P. Latorre (2015-2017) and the study group of Hermes Artes Visuais, coordinated by artists Carla Chaim, Marcelo Amorim and Nino Cais (2018 – 2020). At the same time, he takes free courses in contemporary philosophy, with Amauri Ferreira. In 2022, participates in the Antiforms of intervention workshop at EAV Parque Laje - RJ, coordinated by artist David Cury. Since 2017 he has exhibited his work in independent spaces and commercial galleries, salons and art biennials. Receives acquisition award at the 47th Luiz Sacilotto Contemporary Art Salon and at the 18th Salon Nacional de Arte de Jataí, both in 2019. His work is part of public and private collections, including Fundação Bienal de Cerveira, Portugal.